Dizia desde muito cedo “que queria ser engenheiro químico, um pouco por influências familiares”. Conta que o seu percurso escolar foi “sendo sempre uma espécie de cobaia das novas ideias, remodelações e inovações curriculares”, resultado do pós-25 de abril. Fez, por exemplo, o primeiro 12.º ano formal – anteriormente Ano Propedêutico. Aquando da frequência do 1º ano da faculdade, o jovem albicastrense percebeu “que não era de facto aquilo que queria e acabei por mudar e vir para psicologia. Pedi transferência do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa para a Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa”, mas inscreveu-se simultaneamente no Ispa, onde acabaria por ficar, “do qual já tinha algumas referências”.
Coincidência ou não, Francisco Peixoto voltou a apanhar um ano pioneiro: “a primeira fornada do Ispa a funcionar aqui na Rua Jardim do Tabaco; as instalações eram provavelmente um quinto ou um sexto do que são agora, o espaço era bastante mais limitado”. Relembra com afeto que passou “os anos do curso a ouvir as histórias dos tempos da Feira Popular, que de facto nunca vivemos”. Quando ingressou no Instituto, à semelhança da maioria dos novos estudantes da altura, “queria seguir clínica, aquela ideia clássica do psicólogo”; no entanto, conta que rapidamente, no seu segundo ano, “houve uma ‘mudança de agulha’ e comecei-me a interessar cada vez mais pelas questões da educação. Quando cheguei ao terceiro ano não tinha dúvidas”.
As questões relacionadas com os processos de aprendizagem e educativos continuam, hoje em dia, a interessar Francisco Peixoto: “investigo aquilo que pode potenciar a educação para que a aprendizagem das novas gerações se possa processar da melhor, e mais eficaz, forma possível”. A partir do momento em que se decidiu, “o meu percurso esteve sempre ligado à Psicologia da Educação”.
Terminou a licenciatura em fevereiro de 1989 porque “tinha serviço militar obrigatório à minha espera”. Defendeu a sua monografia, contra a sua vontade, uma semana antes de se apresentar ao serviço em Tavira: “estava-me a divertir imenso a fazê-la e tinha pensado estar mais um ano de volta dela. Se fosse com a licenciatura terminada iria como oficial; se não, seria recambiado para a escola de sargentos em Mafra – portanto fiz tudo para terminar a licenciatura e poder ir mais descansado”. Trabalhou no Centro de Estudos Psicotécnicos do Exército, “numa área completamente diferente daquela que tinha sido a minha formação, mais ao nível da psicologia organizacional. Estava inserido no Gabinete de Análise de Funções, que servia de base para o recrutamento e para a formação. Lembro-me, por exemplo, de ter realizado análise de funções com torneiros mecânicos ou testadores – as pessoas que, no centro de seleção e recrutamento, faziam a aplicação dos testes. Foi um momento de aprendizagem importante”.
No último ano do serviço militar obrigatório inscreveu-se no mestrado do Ispa em Psicologia Educacional, na altura em parceria com a Universidade de Aix-en-Provence e “que estava a dar os primeiros passos: entrei na segunda ou terceira edição. Na sequência disso, em 1991, fui convidado para ficar no Ispa como professor”. Um percurso que Francisco Peixoto relembra com nostalgia: “ainda noutro dia me entregaram um prémio de 30 anos de casa; de facto já cá estou há algum tempo”.
Olhando novamente para o seu tempo enquanto estudante, confessa que “muito do que eu faço em termos de princípios e rigor do ponto de vista de investigação devo a pessoas desta casa: por exemplo, aprendi imenso com o Professor Vítor Almada, com o qual trabalhei cerca de dois anos”. À primeira vista, como coloca, “parece estranho porque ele era biólogo, mas acima de tudo estudava comportamento animal, uma área denominada de Etologia”. Foi direcionado para o Professor Vítor Almada por causa de um trabalho de investigação para o qual o seu grupo decidiu “que seria giro fazer sobre a agressividade” – e assim foi: “passámos muitos dias e horas a olhar para cabozes, a estudar os seus comportamentos agressivos. Na sequência disso, acabei por ficar mais um ano e pouco a trabalhar com o Professor e a sua equipa. Isso deu-me um conjunto de ferramentas que se revelaram muito úteis na minha investigação”.
O seu gosto pelas “dimensões mais afetivas dos processos de aprendizagem” só apareceu mais tarde, alguns anos depois de ter começado, “com a minha colega Lourdes Mata, a trabalhar algumas coisas ligadas ao autoconceito, ou seja, a forma como as pessoas pensam sobre si próprias. Na sequência disso, acabo por integrar um projeto, no qual a Professora Margarida Alves Martins era a investigadora principal, ligado ao autoconceito de estudantes com baixo rendimento académico: tentámos perceber de que forma é que os grupos de amigos e as relações que os estudantes estabelecem com os outros permitem ultrapassar o trauma do mau rendimento, traduzido na repetência – o resultado extremo, digamos assim, do insucesso académico”.
Este projeto surgiu cerca de um ano antes de iniciar o seu doutoramento. Na altura, o Ispa não podia lecionar o grau e, por isso, “fiz o doutoramento pela Universidade do Minho”. Conheceu o seu orientador, o Professor Leandro Almeida, após “participar em eventos que ele organizava regularmente e em iniciativas como o Congresso Internacional Galego-Português de Psicopedagogia”. No entanto, o seu doutoramento não se enquadrava “propriamente dentro das áreas que ele trabalhava, mas propus-lhe o tema que eu queria trabalhar e ele aceitou. Acho que é importante que estes processos, que são longos – e na altura ainda mais eram –, se façam com alguém em quem confiamos”. Foi uma relação à distância, mas resultou: “encontrávamo-nos regularmente para ele me dar feedback; aliás, este é um aspeto que continuo a tentar igualar, mas que não consigo: o Professor Leandro Almeida tem uma capacidade de trabalho à qual não chego nem aos calcanhares”.
Os projetos de investigação atuais de Francisco Peixoto resultam, segundo o próprio, “de uma rede que se começou a construir há muito tempo; quando comecei a trabalhar no Ispa, fomos incentivados a que nos fizéssemos sócios da European Association for Research on Learning and Instruction (EARLI) e que fôssemos aos congressos”. No final dos anos 90 começou a ser frequentador assíduo destas iniciativas “e isso permitiu-me estabelecer contactos que vieram a dar frutos”. Em 2004, por exemplo, “organizámos uma conferência aqui no Ispa sobre motivação, ligada à EARLI: a primeira International Conference on Motivation. Ao longo dos anos conhecem-se pessoas com os mesmos interesses dentro das nossas áreas de investigação e começam-se a estreitar relações; é isso que permite depois o surgimento de outros projetos, como o SUNSTAR”. Tem tido aquilo que considera ser “a sorte de oportunidades que tenho conseguido mais ou menos agarrar”. Neste momento, está com dois projetos em mão: por um lado o MATHMot, que iniciou o ano passado em plena pandemia; o outro, ProSTEAM, vai começar agora e debruça-se sobre “o desenvolvimento de ferramentas para a promoção das disciplinas STEM (ciências, tecnologias, engenharias e matemática) no ensino primário – e fornecê-las aos professores, para que estes possam cativar os estudantes para estas áreas”. Há um problema que se assiste a nível mundial: um decréscimo de interesse nestas disciplinas, que se explica, talvez, por um trauma associado à Matemática. “É interessante que, em termos de autoconceito, os estudantes muito rapidamente criam uma noção concreta em relação à sua competência na disciplina, o que não acontece noutras áreas”. Assim, se se conseguir nutrir o interesse nos mais novos por estas disciplinas, “poder-se-á ganhar mais à frente no que toca a decisões vocacionais, no que pretenderão seguir em termos de carreira”.
Apesar de já ter conseguido aquilo que considera ser um dos objetivos de quem investiga em Psicologia da Educação, “ter um artigo publicado no Journal of Educational Psychology”, Francisco Peixoto considera que um dos trabalhos que mais gosta “saiu na Análise Psicológica, em que apresentámos alguns perfis motivacionais dos estudantes e da sua relação com alguns indicadores de ajustamento”.
O processo de publicação científica, considera, “é um exercício de crescimento, por um lado, e de confronto com a crítica, por outro. Lembro-me de um dos primeiros artigos que tentei publicar internacionalmente, em conjunto com outra pessoa. A crítica foi de tal modo contundente que a outra pessoa não conseguiu sequer voltar a pegar nesse trabalho. Sendo um processo duplamente anónimo, dá azo a que o revisor possa ser mais desagradável”. Francisco Peixoto defende a ideia de que a publicação não é um fim em si mesmo, é apenas parte do processo de investigação. “Por um lado, há a divulgação dos resultados a que se chega, por outro há um processo de validação pelos pares, e este processo poderá ser duro pelas críticas que se recebem. Obviamente temos que ganhar algum estofo para conseguir lidar com as críticas e não nos irmos abaixo”.
Fazendo jus à expressão popular que “em casa de ferreiro, espeto de pau”, as suas duas filhas enveredaram por áreas diferentes: “uma seguiu Marketing e a outra Engenharia Eletrotécnica e Computadores”. Trabalhando em Psicologia da Educação, como era sua relação com a escola delas? “Tentava trabalhar numa perspetiva de não lhes fazer as coisas, mas pô-las a pensar nas mesmas. No fundo, ir ao encontro do título de um artigo que publiquei com a Professora Ana Cristina Silva: ‘Dar um peixe ou ensinar a pescar?’ A minha ideia sempre foi a segunda. Se ensinarmos a pescar, as ferramentas ficam lá para que a pessoa possa evoluir – acho que isso é fundamental em qualquer ato educativo”.
O que é, para Francisco Peixoto, ser Ispiano?
“Somos animais gregários, temos esta necessidade de pertença a grupos com os quais nos identificamos. Ser Ispiano tem que ver, diria eu, não só por passar por esta casa, mas também por partilhar alguns valores que sempre fizeram parte daquilo que é a cultura do Ispa: solidariedade, humanismo, o caminho para a excelência”.