O Ispa – Instituto Universitário comunica, com profunda tristeza, o falecimento da Professora Maria Emília Marques, uma figura central na história da Psicologia em Portugal. Com uma carreira de mais de quatro décadas, Maria Emília Marques foi docente, investigadora e uma pensadora ousada, deixando uma marca indelével na ciência, no ensino e na prática clínica.
Maria Emília Marques descrevia-se como uma “arqueóloga da mente”. Embora tivesse considerado seguir outras carreiras – “era para ter sido enfermeira, médica ou professora” –, foi na Psicologia que encontrou a sua verdadeira paixão, numa decisão tomada em 1975. Numa entrevista à Newsletter do Ispa (Ispa N1 Minuto de outubro de 2021), revelou como essa escolha foi moldada pelo espírito de descoberta: “Li um livro intitulado ‘Verdades e Mentiras da Psicologia’, sem saber o que aquilo era, e achei muito estimulante.” Sem seguir diretamente para a faculdade planeada, dirigiu-se ao Instituto Português de Psicologia – embrião do que viria a ser o Ispa –, onde iniciou um percurso que transformaria a sua vida e, mais tarde, a de tantos outros.
O seu percurso académico teve início num período conturbado da história do Ispa, que na época enfrentava incertezas jurídicas e organizacionais. Participou ativamente na revitalização do instituto, especialmente na reabertura em 1979, após um período de suspensão de novos alunos. Foi também uma voz ativa enquanto membro da Associação de Estudantes, contribuindo para a continuidade da instituição. Mais tarde, após concluir os estudos no Ispa, aprofundou a sua formação em Paris, na Université Paris V René Descartes, onde desenvolveu o seu fascínio pelas técnicas projetivas e pela psicanálise, que se tornariam pilares da sua prática clínica.
Ao longo da sua carreira, Maria Emília Marques revelou um compromisso com a inovação e a interdisciplinaridade. Esteve envolvida no primeiro mestrado do Ispa, em Psicopatologia e Psicologia Clínica, em parceria com a Paris X Nanterre, e fundou o Centro de Etnopsicologia Clínica (CEC), onde desenvolveu intervenções transculturais com populações migrantes e refugiadas. Sobre o impacto deste trabalho, explicou: “Há coisas tão simples, como saber o que comem ou como comem, a relação com as divindades, com a natureza, que são profundamente diferentes de cultura para cultura.” Estas perspetivas enriqueceram a sua prática clínica, que sempre respeitou as narrativas únicas de cada indivíduo.
Uma vida dedicada ao ensino e à prática clínica
Como docente, Maria Emília Marques foi uma inspiração para gerações de estudantes, partilhando a sua paixão pelo saber e pelo questionamento crítico. Criou disciplinas inovadoras, como Mitos e Psicanálise e Etnopsicanálise, e destacou-se pela forma como desafiava os seus alunos a pensarem além dos diagnósticos clínicos convencionais. “Quando alguém nos diz que está deprimido, eu tenho de saber o que isto quer dizer. Não posso aceitar um enunciado; é o quê? Porquê? Para quê?” Estas reflexões traduziam a sua visão integradora da Psicologia, onde os sintomas são apenas uma porta de entrada para a compreensão mais profunda do sofrimento humano.
No plano científico, Maria Emília Marques deixou um legado de obras influentes que continuam a orientar a prática psicológica em Portugal. Entre os seus trabalhos destacam-se:
- “As provas projetivas na prática clínica”, uma referência sobre a utilização destas técnicas em avaliação psicológica;
- “Etnopsicanálise e migrações: uma abordagem transcultural em psicologia clínica”, que sintetiza a sua abordagem inovadora com populações migrantes;
- “Rorschach e narrativas clínicas: um olhar para além da avaliação”, onde explora a aplicação deste método como ferramenta de descoberta de histórias de vida.
Uma visão única sobre a Psicologia
Maria Emília Marques abordava a Psicologia com curiosidade e humildade. “Aquilo que me move não é um lugar confortável ao qual cheguei; o que me move é um lugar sempre desconfortável porque ainda não sei, porque ainda não cheguei.” Esta inquietação intelectual era o motor da sua prática clínica, orientada pelo respeito pelas histórias individuais e pela escuta ativa. “As pessoas sabem sobre elas mesmas, desde que as deixemos falar como conseguem falar.”
Trabalhando frequentemente com populações migrantes, a sua prática clínica transcendeu as fronteiras tradicionais da Psicologia. Num exemplo partilhado, relatou como o teste de Rorschach permitiu a um jovem refugiado afegão, inicialmente reticente, partilhar a sua história: “No último cartão, ele deu a solução. Foi capaz de indicar o sofrimento, o mal-estar, e no fim faz uma combinação genial: é como tudo no fim se compõe.”
O seu compromisso com a Psicologia estendia-se também ao trabalho interdisciplinar, envolvendo antropólogos e mediadores culturais, especialmente no Centro de Etnopsicologia Clínica. Este modelo único em Portugal trouxe soluções inovadoras para desafios sociais e culturais, reconhecendo a importância da diversidade na prática clínica.
Um legado que perdura
Maria Emília Marques deixa um legado profundamente humano, marcado pelo rigor científico. Foi uma figura essencial no desenvolvimento da Psicologia em Portugal, tanto na academia como na prática. A sua visão, dedicação e curiosidade incessante continuarão a inspirar gerações futuras de psicólogos e investigadores.
O Ispa – Instituto Universitário presta-lhe uma sentida homenagem, agradecendo o seu contributo inestimável à ciência e à instituição que tanto amava.
À família e amigos, o Ispa – Instituto Universitário apresenta as suas mais sentidas condolências.